A pequena solução para o grande problema

 27th August 2023 at 11:13am

(artigo originalmente escrito para a Braga Ciclável)

A bicicleta é – não há como negá-lo – um prazer imenso. Gosto do exercício físico, de sentir a distância entre dois pontos da cidade; ir de um sítio ao outro, podendo sentir o pulso das ruas, ouvir as pessoas, tirar a medida às fachadas que ladeiam o percurso. De certa forma, a bicicleta respeita e corresponde à escala de tudo o que me rodeia na estrada, e integra-se nela de forma natural.

Agora, vivo no Porto. Antes disso, fui de Braga para Lisboa, e coincidi com o início do mandato de Carlos Moedas. Não é tema para agora, mas quer retirassem ou não a ciclovia – quer pusessem mais cinco, uma dezena, cobrissem a Ponte 25 de Abril de um novo alcatroado destinado à mobilidade suave –, dificilmente me esqueceria da impressão dos gases de escape, seja partilhando a rodovia com os carros ou na qualidade de peão. Nas suas várias artérias de trânsito com carros, carros sem fim – e muitos carros apenas com uma pessoa, claro – há um rasto invisível, mas não inodoro nem silencioso: se houver vontade de sentar numa qualquer esplanada da capital, é provável que não consigam, sequer, ouvir os comensais.

A gradual percepção do espaço dos carros foi determinante na minha formação cívica e assunção como ciclista. Na nossa forma de locomoção estão representadas políticas de mobilidade e urbanismo, mas também de ecologia – talvez até moralidade. Dum ponto de vista estritamente pragmático, não vejo como pode fazer algum sentido depender de algo extraído do outro lado do mundo, processado algures noutro sítio, transportado depois até junto de mim; que após o seu consumo, sou transportado do ponto A ao ponto B, mas com 99% dessa energia despendida no movimento do veículo que me carrega. É muito mais fácil e lógico fazer uso da bicicleta, e adaptar as nossas vidas a uma escala mais sã.

Os tempos que vivemos caracterizam-se, porventura, por alguma descrença política; a luta de hoje – pela mobilidade, pela habitação, por melhores e mais saudáveis condições – terá repercussões apenas num futuro distante. “Ser a mudança que queremos ver no mundo” não é necessariamente para que o mundo se transforme à imagem dos nossos desejos: pelo contrário, sugere que podemos construí-lo gradualmente, irradiando da nossa individualidade para o meio imediato que nos circunda, provocando mudanças imediatas e que não dependem de nenhum organismo – seja o Estado, ou a autarquia – além de nós próprios. Andar de bicicleta é, então, o singelo contributo para a minha própria, pequena revolução.