braga e os carros

 8th February 2024 at 11:00pm

(nota posterior: o hoje em que escrevo não é o hoje que está escrito; passaram algumas semanas. Mas o cenário repete-se frequentemente.)

Hoje aconteceu algo caricaot: a meio da manhã, pelas nove horas, a rotunda do viaduto da Rodovia de Braga estava absolutamente parada. Trânsito parado nos dois possíveis sentidos em direcção à estação de comboios; talvez quinze minutos não fossem suficientes para chegar. Pior ainda: um veículo de emergência, provavelmente, também não teria forma de chegar ao hospital. E este é um cenário que se repete frequentemente na vida desta cidade.

Quando estive em Lisboa, lembro-me da absurda polémica com a Av. Almirante Reis. Um dos pontos mais críticos era precisamente a importância daquela via para os transportes de emergência (curiosamente, o trânsito ficou melhor nessa Avenida, dito pelos próprios condutores dos veículos de emergência, quando se suprimiu uma das vias para traçado de via única). Mas em geral, estas ruas estão sobrelotadas de automóveis. Ironicamente, um dos primeiros argumentos brandidos quando se sugere a supressão do transporte pessoal é se for preciso levar alguém ao hospital em emergência. Ora, tal como as coisas estão, ficam parados no trânsito.

Num livro do André Gorz que não é necessariamente dedicado ao tema, há esta passagem maravilhosa, que não é apenas sobre carros, mas um certo estilo de vida.

Preciso de recuar para abordar o seguimento da nossa história. Durante os nossos anos na rue do Bac, conhecemos progressivamente um certo bem-estar material. Mas nunca elevámos o nosso nível de vida e de consumo ao nível do nosso poder de compra. Havia entre nós um acordo tácito a esse respeito. Tínhamos os mesmos valores, quero dizer, uma mesma concepção daquilo que dá à vida um sentido, ou ameaça tirar-lho. Tanto quanto consigo lembrar-me, sempre detestei o estilo de vida dito «opulento» e seus desperdícios. Tu recusavas seguir a moda e julgava-la segundo os teus próprios critérios. Recusavas-te a permitir que a publicidade e o marketing te dessem necessidades que não sentias. Durante as férias, alojávamo-nos «em casa do habitante», em Espanha, ou em estalagens ou pensões modestas, em Itália. Foi em 1968 que, pela primeira vez, fomos para um grande hotel moderno, em Pugnochiuso. Acabámos por adquirir, ao fim de dez anos, um Austin velho. O que não nos impediu, porém, de continuar a considerar a motorização individual como uma escolha política execrável, que põe as pessoas umas contra as outras, na pretensão de lhes oferecer o meio de se livrarem de um destino comum.

Imagino que nem todos os dias sejam assim. Mas Braga tem carros a mais, e é evidente que falta organização rodoviária. O país também tem carros a mais; e o mundo, em geral. Frequentemente me parece que temos aqui um problema a precisar de uma solução.