Foi bom estar de volta a Lisboa, apesar de tudo; o cansaço da noite anterior, e a incerteza da manhã de viagem. Começou num flixbus por 18 euros, até ao Oriente, e daí montei a bicicleta, prendi a bagagem, lancei-me aos afazeres.
Andar de bicicleta neste dia de típico calor lisboeta: um Sol que brilha superlativamente e torra na mesma medida; o alcatrão pesado da zona de Santa Apolónia, que tudo refluge, e o ar está além de quente, abafado, e seco; e a primeira paragem é perto da Almirante Reis, na zona que a intermeia do Saldanha. Num bairro bonito e calmo não da Lisboa do mar, mas da que é urbana. Estava calor e vim depressa, quase competitivamente na medida do possível, porque a isso tudo o obriga: a temperatura, o bulício da cidade, os carros, o frenesim de sexta-feira.
Subi ruas da baixa que não conhecia, ou não tinha presente na memória, cheias de turistas, que definirão Lisboa assim. A minha zona não era esta – nem quando subia de bicicleta,
porque a primeira vez que vim a Lisboa, subi directamente de Santa Apolónia à Penha de França, por ruas íngremes mais do que se possa realisticamente magicar. Cheguei ao topo da colina sem perceber a simples geometria do que acabara de percorrer; estava suado, ofegante, e cheio de calor. O Sol de Lisboa é um Sol diferente do nortenho.
a minha zona era pela Penha de França, Arroios; daí ia à ribeira, escalar ao Vertigo; o Nimas, a Graça, a Gulbenkian e o Príncipe Real; a Almirante Reis no meio de tudo. Já não me lembro como passava o tempo em Lisboa. Houve um sítio nevrálgico, em torno do qual girava a maior parte da vida: a escola, a 42.
Quando me decidi a escrever tinha situações particulares em mente. E antes que me esqueça, Lisboa é o sítio onde me sinto mais inconsiderado na estrada, e isto apesar de me divertir imenso, de ter estradas e caminhos que muito me dizem. À chegada ao largo do Rato, pela estrada que lhe chega do Parque da Estrela, no troço daí ao semáforo. Vou na via mais à direita, mas no seu meio. Buzinam-me por um instante, ultrapassam, e pela janela aberta ouço uma sugestão; mas nunca poderia ser uma conversa, porque vão cheios de pressa, falam e vão embora. Só que em cidade, acabam invariavelmente por parar num semáforo.
Era para eu andar mais à direita. Não sei se lhe havia pedido para repetir. Explicar-lhe-ia, de qualquer forma, que é perigoso andar encostado à direita. Tinha sequer experiência de bicicleta em Lisboa? Lá falámos. Não saiu convencido, mas saiu calado; e estávamos todos melhor. Pedi-lhe que tratasse os ciclistas como carros: se vou no meio da estrada, ultrapassa ou espera como em qualquer outra situação; mas esse nem era o caso, pois eu estava na faixa da direita, ele na do meio, e havia ainda uma outra, à sua esquerda. Com tanto espaço, é possível que o tenha incomodado tanto?
O conceito de carro, aqui, não é complicado nem complexo, mas é querer participar numa conversa unilateralmente, face à oposição que nos é feita. Fica para uma outra altura. Mas lembro-me desta frase: isto é para os carros, disse-me. Não é: há carros, mas há também autocarros; naquela zona, acho que passa também o eléctrico. Obviamente, há as bicicletas – que se notariam mais, se a zona fosse segura – e outros veículos, como os de emergência. E mesmo que depois do alargamento a todos estes a estrada fosse nossa, a rua certamente não seria; porque a rua é das pessoas, e das pessoas todas. E em Lisboa, custa-me dizê-lo, a estrada nem sempre serve a rua.