Levava este livro debaixo de olho há algum tempo, sem que soubesse sequer o teor da sua tese: o título foi apelativo o suficiente — mas que revolução era essa? Nem me ocorreu imediatamente que se tratava de Abril, por muito óbvio que pareça agora — e deixei-me levar.
Percebi depois: é um relato autobiográfico por parte do irlandês Phil Mailer, que estava por cá por altura da revolução. O livro começa precisamente no dia do 25 de Abril, com detalhadas descrições do ambiente que se viveu, e segue em detalhe até ao primeiro de Maio — impressionou-me ter lido que foram celebrações fortes, porventura aliando o ímpeto de liberdade a algo que tinha que ver com a noção de trabalhador; um termo, enfim, que na altura tinha outro peso também (e a propósito destes cinquenta anos de Abril, ouvi alguém dizer que não se via algo assim, tanta gente na rua, desde esse primeiro de Maio).
É de facto um relato detalhado. Pelas minhas contas, 378 páginas que vão do 25 de Abril a pouco além do 25 de Novembro, rematadas por uma sucinta cronologia que se espraia ao longo de dez páginas, e um glossário que necessita de quatro para clarificar todas as siglas que vão sendo usadas ao longo da obra. Acima de tudo, faz um excelente trabalho em esmiuçar a complexidade das dinâmicas que se viveram — entre povo e governo, patrões e trabalhadores, ex-pides, saneamentos, etc. — e diria que entra, mesmo que não seja eu um versado na matéria, no lote de boas obras sobre o tema. Que é verdadeiramente complexo e difícil de abreviar, algo que felizmente não tentou o senhor Mailer.
Retive algumas ideias e impressões: o que deve ter sido percorrer a Avenida da Liberdade duma ponta à outra (várias vezes) como relatado, e não necessariamente apenas nessa data mas ao longo dos dias seguintes; a noção de serem, os Portugueses, um povo reprimido (até sexualmente!); a dada altura, um período de errância, devido ao novo que todos estavam todos a viver, foi pontuado melancolicamente por música cabo-verdiana. Entretanto Phil Mailer apaixona-se por Teresa, na livraria; e há, antes disso, um momento em que brevemente se fala da revolução que nunca aconteceu, e essa ideia interessa-me, acho-a imensamente portuguesa num certo sentido, e aqui é claro que não se fala (apenas) de um socialismo utópico, mas de uma revolução cultural, um encontrar com nós próprios — a nível de nação, talvez — que, argumentar-se-á, não chegou a acontecer.
Tudo isto é — não sei se já o disse — complexo. Mas o livro é bom: detalhado, exaustivo, pode encontrar-se quem o leia por gosto ou por motivos académicos; e por outros, sei lá, somos livres e pode fazer-se muita coisa.
Title | Portugal: A Revolução Impossível |
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Author | Phil Mailer |
Publisher | Antígona |