A minha aproximação ao Proust deu-se com o inadjectivável À la recherche du temps perdu. Mais tarde, a Antígona editou este simpático prefácio a um ensaio de Ruskin; e este último nunca o li.
O texto é curto, e quase se pode tomá-lo como uma versão (muito!) resumida de pelo menos um dos temas centrais da escrita proustiana: a relação com a memória. A propósito do próprio acto de ler, Proust discorre sobre a infância, o seu quarto, a disposição das mobílias, os sons da igreja, os avós, os almoços em família — e tudo isto, note-se, veio a reboque do acto de ler. Já o seu trabalho maior se deve ao gosto das madalenas...
Acontece-me o mesmo, ou algo parecido, com os discos mais do que os livros, mesmo que sejam menos visuais os primeiros; e, recentemente, a aprender grego com a ajuda de umas aulas em áudio, reouvi-las traz-me imediatamente ao sítio onde as escutei pela primeira vez. Por outro lado, abro as páginas deste pequeno ensaio e sei exactamente onde estive, perto do rio Caldo, num dia de Sol, nem nada para fazer...
[...] a leitura pelo contrário gravava em nós uma recordação tão doce (tão mais preciosa, para o nosso juízo actual, do que aquilo que então líamos com tanto amor), que, se ainda hoje nos acontece folhearmos esses livros de outrora, é simplesmente como se folheássemos os únicos calendários que tivéssemos guardado dos dias idos, e com a esperança de vermos reflectidos nas suas páginas as moradas e os lagos que já não existem.
[...]
Sem dúvida provei já demasiado pela extensão e pelo carácter do desenvolvimento precedente o que delas começara por afirmar: que aquilo que deixam sobretudo em nós é a imagem dos lugares e dos dias em que as fizemos.
Title | Sobre a Leitura |
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Author | Marcel Proust |
Publisher | Antígona |