nota prévia: a apresentação do livro decorreu às 18h dum dia de semana. Estava algo cansado e os apontamentos não são os mais fiéis. Dada a natureza económica e história da obra — ambos, temas que não domino — é possível e provável que haja aqui erros; fica a intenção de me cingir aos meus apontamentos, e, em caso de algum lapso grave, lamento imenso.
Tinha visto algures (talvez nas redes) que o autor do livro, Nuno Palma, viria à Universidade do Minho para apresentar o seu livro. Já o tinha visto nas livrarias e, obviamente, interessou-me: temos todos uma vaga noção de que há um atraso (cuja natureza é indefinida, mas pervasiva) em relação ao resto da Europa, talvez do mundo, sem que saibamos exactamente o porquê. Curiosamente, a sessão, também ela, começou atrasada, num pequeno auditório (talvez 100, 150 lugares?) muito perto de estar cheio, com muitos estudantes (que aparentemente têm outras motivações para estar presentes numa sessão desta natureza, além do interesse pela obra, pelo autor, ou pelo tema — talvez uma folha de presenças).
Houve uma breve introdução por parte da moderadora Sílvia Sousa (à mesa estava também João Cerejeira, ambos da Escola de Economia e Gestão e, creio, docentes); não evitou menções a eventuais polémicas que rodeiam o livro, que eu pessoalmente desconhecia — mas que ficaram progressivamente mais claros ao longo da apresentação. Quando Palma tomou a palavra, e enquadrou rapidamente o objectivo e o âmbito da obra, deixou tangencialmente a ideia de que o atraso, a existir, não é um atraso apenas cultural; esse teria, no máximo, cinquenta anos. Pareceu-me uma afirmação estranha, dado que cinquenta anos é precisamente a distância ao 25 de Abril; teria todo o interesse em perceber mais sobre este atraso (se o entendi bem) mas não me parece que seja esse o âmbito do livro. Certamente não o foi desta apresentação.
Essa, consistiu numa espécie de palestra algo apressada (talvez pelo atraso e pela vontade de abrir a sessão a perguntas) que, de uma forma geral, procurava enquadrar o âmbito desta pesquisa. É argumento do autor que houve uma percepção dum atraso do país por volta do século XIX, e enquadra o grupo Vencidos da Vida como portadores dessa consciência. São lançados alguns motivos para que isto tenha acontecido: falhámos a primeira leva da industrialização, por exemplo, entre outras coisas.
É feita uma menção mais comprida ao mandato do Marquês de Pombal e à sua forma de governação (comentando-a absolutista e nepotista), com um breve contexto do seu conflito com os jesuítas. Disto já tinha noção, mas não me recordava: numa cadeira de Matemática, estudámos a fundo alguma da obra de José Anastácio da Cunha, matemático e militar português, e percebemos, nessa altura, a influência que o ensino dos jesuítas tinha no país. Nuno Palma argumenta, entre outros motivos, que o sistema de ensino presente em Portugal na altura foi desmantelado e sem qualquer plano de substituição, com a consequência de perdas no valor do capital humano (ou seja, as pessoas aprendiam menos, sabiam menos, e naturalmente o trabalho era, em certo sentido, menos sofisticado e produtivo).
Se o livro é, nas palavras de João Miguel Tavares que assina uma breve nota na capa, uma máquina de triturar mitos, está aqui o busílis: atribuindo (parte d)as causas do atraso à falta de educação científica, ao trabalho rural e rudimentar, a uma má gestão do ouro do Brasil, etc., chega-se aos períodos da Primeira República e Estado Novo num estado lastimável — 3 em cada 4 portugueses analfabetos é realmente uma métrica assustadora. Nesse sentido, Nuno Palma faz uma espécie de apologia parcial do Estado Novo, que terá recuperado alguns desses índices (são apresentados dados de literacia, mas também nutrição e mortalidade infantil, entre outros).
Na fase final da apresentação, resvala-se para um território mais próximo do que leva a polémicas, debates, e trocas de carinhos digitais no Twitter: comentários rápidos sobre o PREC, a reforma agrária, saneamentos (de quê? dos pides?), comentários sobre a cultura anti-direita, anti-liberal, e anti-meritocracia (...) em Portugal. Os países de Leste estarão "vacinados" quanto a socialismos? Estas ideias são todas muito interessantes e dignas de debate, mas não seria para discussão nesse momento. Seguiu-se uma intervenção do Prof. Cerejeira, a respeito dalguns possíveis abusos da interpretação dos dados, e do (segundo percebi, porque era já tarde) ensino secundário no Estado Novo. Logo depois, a sessão abriu-se a perguntas da audiência.
Entre as questões e comentários, houve sugestões a Fernando Alexandre e ao novo Governo (em relação à gestão da FCT, por exemplo, ou aos numerus clausus das universidades), e considerações sobre o problema da gestão de empresas em Portugal; pelo caminho, criticou muito a Iniciativa Liberal numa escolha para as suas listas. Já perto das questões finais, ainda tentei expôr a minha impressão de um desnorte total desde o 25 de Abril, a entrada na CEE, com a necessidade de cavalgar ao ritmo dos outros sem que haja necessariamente um rumo ou se perceba o propósito deste país. Qual é o valor de gráficos e análises económicas se não há uma espécie de consciência colectiva de objectivos e prioridades? (Ocorreu-me que, de certa forma, Portugal poderia perfeitamente ser um caso de ADHD).
Ainda nos divertimos um pouco antes de chegar a uma tentativa de formulação de pergunta: entre os vários gráficos, impressionou-me aquele que mostra uma descida do trabalho agrícula à medida que cresce a indústria dos serviços; então, por que motivo é a agricultura tão desvalorizada? Eis que me explicam a noção de produtividade e valor (e eu imagino o povo a comer software e créditos bancários, em vez de couves e batatas). O Nuno pergunta-me: "Tu não queres ter salários altos?"; respondi o óbvio: "Quero trabalhar pouco e ganhar o suficiente"; ainda falei das quinze horas do Keynes, tentaria chegar à concepção do trabalho e coisas assim; mas, à hora avançada da intervenção, serviu para nos rirmos todos um pouco e dar por terminada a sessão.
"Tu não queres ter salários altos?". Parece-me evidente que a resposta não é necessariamente um sim, nem a pergunta é clara: porque não falar em qualidade de vida? Não há necessidade de salários altos se o custo de vida não for alto; não é suficiente que tenhamos um grau de segurança financeira que satisfaça as nossas necessidades? É o capitalismo equiparável à democracia — na medida em que não é o ideal, mas é o melhor que arranjaremos? O desprezo pela ruralidade e pelo trabalho agrícola, que conscientemente ou não é veiculado, não é também ele factor de desnorte e desiquilíbrio no país (tendencialmente distribuído pelo litoral e urbanidade: a cidade como estado último da civilização).
O livro que levei nesse dia para companhia entre os meus afazeres foi Portugal: A Revolução Impossível: conta os dias e meses seguintes à revolução. A sessão de apresentação foi um contraponto interessante, e uma demonstração de duas percepções da realidade completamente distintas — sendo claro que a verdade, a existir, está algures no meio entre esquerda e direita, passado e presente. De resto, Portugal é o que é: melhor que isto, talvez seja apenas um sonho.
Title | As causas do atraso Português |
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Author | Nuno Palma |
Publisher | D. Quixote |